Viagens

03:58


Despe-te de conceitos. Somos todos pura maldade condicionada por variantes sociais, convenções incongruentes, mares de paixões inundados e rodeados por muros, transformados em pântanos redondos e rasgados a cair do céu que vem debaixo. As tuas perguntas rasgam a pele como facas, lâminas cortantes como línguas afiadas por pedras de amolar loucas de imundices estranhas, piores que pensamentos perversos - a tua mente está tão cheia deles - capazes de levantar voo num piscar de olhos. Mostras-te sem vícios, aparentemente de espírito limpo, fortemente marcado por empatias monstruosas que todos os dias chegam até ti. Já te começo a conhecer, por isso larga toda a vontade fingida, mostra verdadeiramente a tua assombrosa aparência e realça-a com efeitos psíquicos. Na minha mente começam a brilhar luzes, começo a elevar-me, a euforia inicial passa e fica a apatia. Abulia sensacional, dás-me tempo para pensar em tudo. Vejo coisas que nunca vi, penso o correcto de forma incoerente. Não me deixas falar, por isso tento revoltar-me, mas não consigo, ainda não. Preciso de mais uns momentos para conseguir levantar apenas a cabeça, quanto mais para elevar o espírito. Respiro profundamente durante dois minutos. Faço esforços inimagináveis e lembro-me do inicio. Somos todos pura maldade. A revolta chegou, sinto-lhe o gosto! Agarro no punhal cruento, não tão afiado como as tuas perguntas, e avanço sedento. Quem quer ser o primeiro?, experimente senhor!, só saberá do que gosta quando tudo lhe acontecer., morte..., inclusive. Percorri todas as ruas, de todos os bairros, de todas as cidades, andei por caminhos que pensei serem impossíveis de existir e não encontrei uma única alma. A sorte insurgiu-se sobre a minha vontade de dor, ganhou a batalha. O punhal, que de cruento deixou de ser, caiu-me da mão mas não chegou a tocar no chão. Quem o fez fui eu. Os sentidos apagaram-se como se a um interruptor estivessem ligados. Uma cor branca percorreu-me os olhos, de lado a lado, e zumbiu um forte som. Caí no nada. Acordei, sapatos e carteira desaparecidos. Não reconheço o lugar onde estou. Terei andado muito?

Pherreyra, O Segundo

You Might Also Like

1 palavra(s)
mordaz(es)

  1. Palavras para quê? És brilhante quando escreves e a tua capacidade de revelares um alguém que não conheço comove-me.
    Nunca pares de escrever :)

    ResponderEliminar

Palavras mordazes? Escrevam-nas aqui!

Popular Posts

Followers